Seguindo a sequência do primeiro artigo, vamos continuar falando da alimentação dos peixes. No texto de hoje, a pergunta: Alimentar seus predadores com peixes vivos faz mal?
Um dos erros mais comuns que as pessoas cometem na hora de alimentar grandes predadores (como garoupas, moreias ou peixes leão) é fornecer-lhes um peixinho dourado (o famoso japonês) como alimento.
Há muitas razões para os aquaristas fazerem isso. Primeiro, praticamente todos os predadores são capturados diretamente da natureza, e quando são postos no aquário, não recebem o treinamento adequado para aprenderem a pegar comida em flocos ou congelada.
Sendo assim, fornecer um peixe vivo de água doce, que se debate “como um louco” quando posto no tanque, é uma maneira bem fácil de instigar o seu animal a caçar a presa. Logo, um trabalho a menos para o dono.
Segundo, um japonês tem a natação bem lenta, o que facilita a vida do peixe-leão (e qualquer outro predador).
Terceiro, ainda existe o fator economia, já que esses peixinhos custam uma pechincha em qualquer loja de aquarismo.
Sem o desafio da caça, notou-se que alguns deles desenvolveram problemas comportamentais e / ou de saúde. No entanto, o valor nutricional de um peixe-japonês é algo que deve ser levado em conta.
Então, vamos entrar na discussão de porque você não deve alimentar seu peixe predador dessa forma. Vou explicar isso com mais detalhes abaixo, mas a resposta “curta e grossa” é – peixes de água doce são uma péssima fonte de alimentação.
Peixe Leão |
Eu tenho um amigo que é parasitologista de peixes e costumava ser voluntário, em conjunto com alguns veterinários, para fazer autópsias de peixes em aquários públicos.
Ele me disse que a causa mais comum de morte entre peixes marinhos é a “doença do fígado gorduroso”. Embora não seja realmente uma doença, ela causava a morte de muitos animais.
O fígado gorduroso é uma condição grave em que esse órgão se torna alargado, muitas vezes ao ponto de interferir, ou mesmo esmagar, outros órgãos.
Esta condição parece ser resultado de uma dieta ruim, e o consenso entre vários patologistas renomados é que sua causa mais comum é uma alimentação rica em gorduras saturadas, embora deficiências de biotina e / ou colina, toxemia e “causas não especificadas” também sejam fatores possíveis.
Ele também alegou que costuma ver essa doença em uma variedade de peixes de água salgada (mais comumente em garoupas e peixe leão) de pet shops e de hobbistas que mantinham esses animais à base de peixinhos de água doce (principalmente dourados).
Embora complicações bacterianas e infecções parasitárias atinjam muito mais os peixes do que as deficiências nutricionais, a doença do fígado gorduroso é provavelmente um dos problemas nutricionais fatais mais comuns.
Além da “doença” do fígado gorduroso, as proporções erradas de gorduras na dieta dos peixes resultam no crescimento reduzido, menor porcentagem de tecido muscular, degeneração hepática, maior susceptibilidade a infecção bacteriana/ viral, diminuição da hemoglobina nas células do sangue e outros problemas nutricionais.
Tudo isso sugere que existe um risco muito real (e potencialmente fatal) em alimentar seu predador principalmente (ou somente) com peixinhos de água doce.
Como não há dados reais do perfil nutricional de peixes de aquário, eu fiz uma pesquisa na literatura de aquacultores para encontrar a composição nutricional de outros peixes usados como alimento.
Infelizmente, não consegui encontrar a composição para guppies e peixes dourados, então fiz o melhor que pude com outras espécies que são regularmente examinadas para consumo humano. Uma comparação rápida do bagre e da carpa com o bacalhau e a anchova (esta foi a comparação mais próxima que pude achar entre peixes que servem de alimento e seus predadores e que possuem uma análise nutricional exata) mostra algumas diferenças importantes nos perfis nutricionais.
Infelizmente, há pouco interesse (ou dinheiro) para desenvolver dados semelhantes para peixes de aquário, por isso, embora estes não sejam realmente os valores exatos para guppies e peixes dourados, os dados encontrados são bastante elucidativos:
Tabela 1: Montante total de diversos nutrientes em um pedaço de carne de 100g de peixes mais usados para consumo humano. Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
Existem algumas diferenças óbvias entre as espécies de água doce, salobra e marinha. Por exemplo, as espécies marinhas tendem a ter menos energia por unidade de peso, embora tenham mais proteína e substancialmente menos gordura.
Não surpreendentemente, as espécies de água salobra ficam entre os dois extremos, embora na maioria dos casos elas tendam a se assemelhar mais às espécies de água doce em seu perfil nutricional.
No entanto, a diferença mais importante entre espécies marinhas, de água doce e salobra, é o teor de gordura muito menor no caso das espécies marinhas. Um olhar mais atento sobre os perfis lipídicos desses grupos dá uma melhor ideia de como eles se diferem e de como é possível reduzir artificialmente essa diferença.
Tabela 2: Quantidade de gorduras saturadas e uma série de ácidos graxos altamente insaturados (HUFA) para cada um dos grupos de espécies listados na Tabela 1. Valores para Gorduras Saturadas, LA (Omega-6, ácido Linoleico – 18: 2), ALA (Omega- 3, ácido alfa-linolênico – 18: 3), EPA (Omega-3, ácido eicosapentaenóico – 20: 5) e DHA (Omega-3, ácido docosa-hexaenóico – 22: 6) são novamente medidos de uma amostra de carne de 100 g, conforme apresentado na Tabela 1 acima. Estes ácidos graxos estão entre os tipicamente incluídos em produtos de enriquecimento (HUFA) e que complementam a dieta de peixes marinhos em cativeiro. Pequenos números “não-zero” são indicados por <0,01.
Os perfis lipídicos entre as espécies de água doce e água salgada são muito diferentes, e a quantidade média de gordura saturada nos peixes água doce é aproximadamente 8 vezes maior do que a encontrada em peixes marinhos. Mas se usarmos o bagre e a carpa como uma comparação razoável com o peixe dourado, então o cenário é ainda pior, com um único fornecimento de um japonês tendo mais de 20 vezes a gordura saturada encontrada em uma presa marinha. É difícil imaginar que adicionar 20 vezes mais gordura saturada na dieta de qualquer animal (você ou seu peixe) não vai ter um efeito substancial sobre sua saúde no longo prazo.
Tabela 3 – a & b: Médias dos valores nutricionais apresentados nas Tabelas 1 e 2. Se as médias de espécies misturadas estavam disponíveis no banco de dados do governo dos EUA (Departamento de Agricultura), eu usei aqui. Quando as médias de espécies misturadas não estavam disponíveis, eu tabulei os registros para uma dúzia de espécies (eu parei na 12° mesmo se tivesse mais) em cada categoria e calculei a média para cada uma para apresentar aqui.
Para agravar a situação, eu ouvi conselhos de diversos lojistas para complementar a alimentação dos predadores com suplemento de “ácidos graxos altamente insaturados” (HUFA), supostamente para compensar o fato de que esses animais provêm de diferentes habitats. Mas neste caso, tal “enriquecimento” só iria piorar a situação, não melhorar!
Complementar o perfil alimentício de um peixinho dourado (que já é gorduroso) com HUFA seria o mesmo que deixar o seu BigMac mais nutritivo mergulhando ele em óleo vegetal!
Garoupa Panther |
Então, obviamente, um peixinho dourado (japonês) não é a melhor escolha na hora de alimentar seu peixe leão, moreia ou garoupa.
Mas e os guppies e molinésias?
Estes peixes são de águas salobras e são frequentemente adaptadas à água salgada – isso proporcionaria uma melhor nutrição para o peixe dourado?
A resposta simples é “eu não sei”. A minha intuição diz que os peixes de água salobra estão em um ponto intermediário, mas geralmente mais próximos dos perfis lipídicos dos peixes de água doce do que das espécies de água salgada, então guppies e molinésias provavelmente também seriam muito ricos em gorduras saturadas.
Talvez mais perto das seis vezes a quantidade de gorduras saturadas encontradas em peixes de água salobra do que as vinte vezes que são encontradas no peixinho dourado, mas ainda alta. É possível que esse fato torne esses peixes um alimento melhor do que um japonês ou um guppie, pelo menos até que seu predador comece a pegar camarão congelado ou alguma outra ração.
Meu amigo David Cripe, que trabalha no Monterey Bay Aquarium, disse que usa guppies aclimatados em água salgada como alimento para peixes marinhos, mas ele faz isso apenas por um curto período de tempo, só até seus peixes estarem pegando outros alimentos.
Moreia |
Parece improvável para mim que a alimentação ocasional de guppies ou molinésias aclimatados em água salgada seja um problema para os peixes predadores, mas como eu disse anteriormente, este é apenas o meu “feeling”. Estou apenas adivinhando aqui, já que não há perfis de ácidos graxos disponíveis para qualquer uma das espécies de aquários que estamos discutindo.
Molinésias são melhores do que guppies e japoneses, mais ainda assim não são o alimento ideal |
No entanto, levando em conta os dados acima, parece que o camarão cinza ou mesmo lagostins de água doce seriam a melhor escolha para alimentar seus peixes até que você possa treiná-lo para pegar comida congelada.
A razão disso é porque o perfil nutricional não é tão diferente entre os crustáceos de água doce e de água salgada e, de fato, neste caso, os animais de água doce são pobres em gordura.
E esta é uma boa notícia, pois significa que se você complementar uma dieta à base de lagostins ou camarão com algum produto à base de HUFA, você provavelmente estará fornecendo uma dieta adequada no longo prazo.
Lagostins e camarões cinzas são as melhores opções que você pode oferecer para seus peixes predadores |
Além disso, esse é um método fácil e barato, e uma vez que seu peixe estiver pegando bem o alimento, você pode começar lentamente a tentar administrar outros tipos.
Dica para trocar o alimento vivo por comida morta: Comece segurando o camarão vivo em seus dedos e deixe o peixe chegar perto deles antes de soltá-lo. Depois de algumas tentativas, o peixe já lhe reconhece e começa a investigar se tem novidade sempre que você põe a mão no aquário. Comece a segurar o camarão por mais tempo na sua mão até que o peixe comece a pegar diretamente dela. Uma vez que o peixe esteja pegando habituado com essa prática, comece a adicionar peixes e camarões mortos. É uma técnica que exige certa dedicação, mas que deu certo em 100% das vezes.
Pessoal, pensam que acabou? No próximo artigo, iremos falar do valor nutricional dos Rotíferos! Obrigado pela leitura e até a próxima!
Nota: Este conteúdo foi originalmente publicado pela revista Advanced Aquarist, no texto: “Aquarium Invertebrates: Nutritional Value Of Live Foods For The Coral Reef Aquarium, Part 1”, escrito por: “Rob Toonen”. Link: http://www.advancedaquarist.com/2003/12/inverts A tradução desse conteúdo não é literal. O tradutor tomou a liberdade de contextualizar algumas frases para a realidade brasileira, bem como adicionou/ suprimiu alguns trechos consideradas irrelevantes para a compreensão do assunto de maneira geral. O objetivo sempre é dar acesso ao conteúdo da maneira mais simples e prática possível, no entanto, sem perder a essência do conhecimento passado. Embora o texto seja revisado antes da postagem repetidas vezes, o mesmo sempre estará passível de erros. Dessa forma, humildemente peço que me informem nos comentários qualquer alteração a ser feita, para que eu possa corrigi-la o mais breve possível.
Att, Rodrigo
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