sábado, 10 de outubro de 2020

Precisamos falar de alimentação - PARTE 3

 


Ciliados e rotíferos

Embora os rotíferos e os ciliados sejam pequenos e desinteressantes para a maioria, eles são bem conhecidos pelo aquaristas como opção de alimento para a criação de filhotes de peixes e muitos invertebrados. Estas quase microscópicas criaturas sobrevivem de várias formas, desde filtragem até espécies que comem outros rotíferos / ciliados.
A maioria dos peixes mais populares em aquário (e isso inclui grande parte das borboletas, anjos e budiões, só pra citar alguns) eclodem de ovos tão pequenos que suas bocas só são largas o bastante para engolir criaturas muito pequenas. 
Pesquisas voltadas para o estudo da alimentação de larvas de peixes revelaram que sua dieta é composta por micro-zooplanctons, como protozoários (tintinídeos, ciliados e foraminíferas), dinoflagelados, larvas de cirripedias, larvas de moluscos, além de náuplios e ovos de copépodes (Holt 2003). Diatomáceas planctônicas também fazem parte do cardápio, e geralmente representam 5% do total ingerido.
O intestino de larvas coletadas no oceano contém uma variedade desses microplânctons, com cada um medindo de 3 a 100 μm de comprimento, e com a maioria do conteúdo sendo menor do que 60 μm (Holt 2003). 
Logo, os pequenos filhotes de peixes são simplesmente muito pequenos para comer até mesmo um pequeno ovo de artêmia (geralmente um ovo de artêmia é 5 vezes maior do que o maior zooplâncton encontrado no intestino de uma larva). Sendo assim, fontes menores de alimento, como rotíferos e ciliados são necessários caso você queira obter sucesso ao criar seus filhotes.
O tamanho reduzido e o enorme potencial reprodutivo dos rotíferos ( e em menor grau ciliados) faz deles uma escolha popular como alimentação entre criadores de  invertebrados e peixes marinhos. Por exemplo, sob condições ideais, uma única fêmea de rotífero geralmente produz cerca de 6 filhotes fêmeas por dia e cada uma delas cresce e começa a produzir a sua própria prole (a reprodução mais comum entre esses animais é a partenogênese e fêmeas produzem filhotes assexuais sem a necessidade de seus ovos serem fertilizados) dentro de 24 horas.  Nessa taxa de crescimento, um simples rotífero pode dar origem a aproximadamente 134.455  descendentes em 7 dias! Obviamente,  não é necessário muitos rotíferos para começar e manter uma cultura viável que alimente seu aquário ou projeto de cultura de larvas de peixes. O tamanho reduzido dos rotíferos juntamente com a facilidade relativa com a qual eles são cultivados, e a taxa de reprodução elevada fazem desses animais uma escolha popular para alimentar muitos animais marinhos com alimentação suspensa obrigatória. 
Apesar dessa minúsculas criaturas serem fáceis de se criar e de terem o tamanho correto para a maioria das larvas de peixes, infelizmente não são muito nutritivos.  De fato,  a única maneira de fazer deles um meio razoável de alimentação para peixes juvenis e invertebrados marinhos é através de seu enriquecimento.  Eu pensei que Martin Moe (Moe) tem uma das melhores analogias para isso que eu já vi: rotíferos são equivalentes a uma sacola de compras, você pode comê-los, mas se estiverem vazios eles não serão nutritivos.
Rotíferos da Academia do Aquário.
Criados exclusivamente à base de Fitoplâncton, o que garante o fornecimento de todos os ácidos graxos essenciais para a alimentação de larvas de peixes. 



 Se os rotíferos foram cultivados a base de farinha de ervilha e fermento biológico eles poderão crescer , mas não fornecerão muita nutrição para peixes juvenis. De fato, na maior parte dos casos, larvas de peixes que se alimentam exclusivamente de rotíferos simples (que não são enriquecidos com Fitoplâncton ou um suplemento comercial de HUFA) não são bem sucedidos em seu estágio larval (e.g., Moe 1997; Wilkerson 2001; revisado por Holt 2003). 
Rotíferos que são alimentados com uma dieta pobre podem ser comparados a humanos que se alimentam exclusivamente de batata frita, refrigerante e doces. Se alimentar assim pode ser  bem apetitoso, mas não muito nutritivo e se essa for sua  única alimentação disponível sua saúde não se manterá por muito tempo. Em contramão, rotíferos cultivados com fitoplâncton e enriquecidos com suplementos de ácidos graxos (HUFA) são potencialmente muito nutritivos.
 Para fazer uma analogia mais real para você, descobertas mostram que larvas de "Barbatana do pacífico" (Pacific threadfin/Polydactylus sexfilis) que são criadas à base de dieta com rotíferos enriquecidos possuem uma alta significativa de sobrevivência em resposta a vários fatores estressantes do que seus irmãos que foram criados com dietas de rotíferos pobres (Tamaru et al. 1998).

Pacific threadfin/ Polydactylus sexfilis


Contudo, só pra deixar as coisas mais complicadas, acontece que você não pode simplesmente despejar um monte de rotíferos em um tanque e chama-los de comida: é de longo conhecimento que a proporção entre as larvas de peixe e suas presas em um tanque faz uma enorme diferença na taxa de sobrevivência e crescimento dos animais (e.g., Houde 1977; revisado by Tamaru et al. 2003).  
Por exemplo, pesquisas descobriram que larvas de peixe inicialmente se alimentam do que encontram pelo caminho, mas começam a caçar a medida em que vão se desenvolvendo. Apesar de parecer contra-intuitivo, verifica-se que o crescimento e a sobrevivência pode ser drasticamente reduzido por falta OU excesso de comida! O experimento revelou que a taxa mais elevada de sobrevivência e crescimento das larvas de peixe era obtida mantendo uma taxa de aproximadamente 10 rotíferos por milímetro para densidades entre 25 a 50 larvas de peixe por litro (Tamaru et al. 1991).
Apesar disso soar como um monte de besteiras para alguns leitores, aquicultores e criadores domésticos de peixes descobriram muitos anos atrás que rotíferos podem crescer bem com um conjunto completo de alimentos (variando de fitoplâncton à farinha de ervilha e “alimentos invertebrados” à base de fermento e até ao suco V-8!)
 Pode parecer que suco de legumes seja uma base bem nutritiva, mas não para os rotíferos que alimentarão seus peixes juvenis!

Mas apesar de você ter um monte de rotíferos na sua cultura, eles terão uma atuação ruim quando usados para alimentar peixes juvenis. Muitos artigos de várias revistas de aquarismo tem reportado sucesso na desova de peixes marinhos através dos anos, mas até os 5 últimos anos, a maioria deles também reportatam uma massiva perda das larvas de peixe dentro de uma semana ou mais após eles começarem a se alimentar (e.g., Moe 1997; Wilkerson 2001; revisado por Holt 2003). 
 Até a presente data, a única grande dificuldade de se manter larvas de peixes marinhos em cativeiro consiste na primeira alimentação, o período que a larva do peixe deixa de usar suas reservas internas de gema e passa a capturar presas plantônicas  (revisado por Holt 2003). 
"Peixe-palhaço" (Amphiprion ocellaris). O sucesso da reprodução desse peixe em cativeiro deve-se às descobertas sobre alimentação enriquecida na fase larval. 

Como eu expliquei acima, rotíferos não enriquecidos podem ser aceitos por algumas larvas de peixe, mas mesmo “bem alimentadas” elas apresentam uma redução do crescimento e sobrevivência quando comparadas as suas “irmãs” que são alimentadas com rotíiferos enriquecidos (Tamaru et al. 1998). O método de enriquecimento mais comum é o feito com Selcon ou Zoecon. 

Suplemento para enriquecer alimentos vivos. 
Apesar disso, pesquisas descobriram que a sobrevivência média de rotíferos que são enriquecidos com essa emulsão lipídica concentrada é bem baixa: depois de 24 horas de enriquecimento, o número de rotíferos na cultura caiu de uma média de 2000/ml para 400/ml  (Tamaru et al. 2003).  Em contraste, rotíferos enriquecidos com uma pasta de algas se manteve em 2000/ml durante o processo de enriquecimento. Então, embora esses produtos concentrados de HUFA funcionem muito bem para enriquecer itens alimentares para peixes maiores, eles não parecem particularmente funcionar tão bem para rotíferos.  Obviamente o método de enriquecimento também desempenha um papel importante na disponibilidade de alimentos adequados para peixes marinhos. 
No geral, rotíferos enriquecidos com fitoplâncton e HUFA parecem ser um alimento adequado para diversas espécies de peixes marinhos juvenis, e várias espécies que foram cultivadas com sucesso pela primeira vez quando alimentadas com plâncton enriquecido como rotíferos. (revisado por Watanabe et al. 1983).
Fitoplâncton da Academia do Aquário. 
Ideal para enriquecer sua cultura de rotíferos. 


OK, então isso é provavelmente mais informação do que a maioria das pessoas sabe sobre quaisquer dessas fontes de alimento. E não eu pararei por aqui por hora. Nas próximas seções continuaremos nossa discussão sobre alimentação com Artêmias, Tubifex e Black Worms, Crustáceos de água doce, Larvas de mosquito e Macroaldas, Nori e Vegetais folhosos.


Imagens retiradas de:

Nota: Este conteúdo foi originalmente publicado pela revista Advanced Aquarist, no texto: “Aquarium Invertebrates: Nutritional Value Of Live Foods For The Coral Reef Aquarium, Part 1”, escrito por: “Rob Toonen”. Link: http://www.advancedaquarist.com/2003/12/inverts A tradução desse conteúdo não é literal. O tradutor tomou a liberdade de contextualizar algumas frases para a realidade brasileira, bem como adicionou/ suprimiu alguns trechos consideradas irrelevantes para a compreensão do assunto de maneira geral. O objetivo sempre é dar acesso ao conteúdo da maneira mais simples e prática possível, no entanto, sem perder a essência do conhecimento passado. Embora o texto seja revisado antes da postagem repetidas vezes, o mesmo sempre estará passível de erros. Dessa forma, humildemente peço que me informem nos comentários qualquer alteração a ser feita, para que possamos corrigi-la o mais breve possível.


2 comentários:

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